terça-feira, 22 de abril de 2008

Doutores da natureza

Com o facão na mão, ‘seo’ Abílio avança contra a mata fechada e vai abrindo trilha por dentro do santuário verde absoluto. No rosto marcado pelo sol, traz as cicatrizes de uma vida travada na labuta do roçado. O olho vazado denuncia um passado de brigas de foice na defesa do pedacinho de terra que herdou do pai agricultor.

Além da valentia e da pequena roça, Abílio Vasconcelos de Souza, 47, herdou também um conhecimento raro, digno apenas dos “doutores do mato”, como costuma dizer. Um privilégio para poucos e que vem se perdendo com o passar dos anos. “Tenho dois filhos, mas nunca nenhum deles se interessou em aprender da nossa medicina. Tomara que os filhos do vizinho queiram”, lamenta.

Ele conta que aprendeu ainda criança os segredos da floresta. “Tudo o que nasce nessas terras tem serventia pra saúde. Andiroba, cupuaçu, cupaíba, abricó... É só saber extrair a coisa certa de cada plantinha, que é capaz do sujeito viver cem anos e nunca precisar ir num médico”, diz.

Exageros à parte, a verdade é que os remédios naturais reinam em absoluto nas comunidades ribeirinhas do Pará. Na grande maioria das cidades em que o Rally Transamazônico Iles du Soleil passou era comum encontrar óleos e garrafadas de fabricação caseira, sendo vendidos nas feiras populares da região.

“Pra tudo nessa vida a natureza tem um remédio. Pra próstata, pros rins, fígado, diabetes, hipertensão, anemia, artrite, tosse, moleza, derrame... tudo! Mas se for a hora do sujeito não tem sabedoria que dê jeito. Pode ser doutor estudado ou gente do mato como eu, a única coisa que não tem cura nessa vida é a morte”, profetiza a curandeira do município de Monte Alegre, Maria Maranhense, 62.

Por outro lado, a busca da cura nestes produtos reflete também a ausência de políticas públicas no norte do país e denuncia a falta de assistência médica de qualidade. “Médico por aqui só há 5h de barco a motor e, ainda assim, a gente nunca sabe se vai ser atendido. O jeito é se apegar nas ervas do quintal e fazer como nossas mães e avós faziam”, diz a aposentada Maria de Jesus, 76.

2 comentários:

Tania de Almeida disse...

Nada melhor que a sabedoria antiga e os remesios da vovo. Gostei muito da reportagem!

marcinha disse...

olá!Nossa muito lindo seu blogger e interessante,que mostra um pouco da realidade dos ribeirinho Flona do Tapajós,que são pessoas humildes que tem muita sabedoria e muita história para contar.Prabéns.
meu e-mail:marcianesilva@hotmail.com